quarta-feira, 10 de março de 2010

Sobre o meu e o seu sofrimento psíquico

Queridos


Hoje resolvi escrever uma daquelas pequenas-longas crônicas que as vezes me fazem necessárias a alma e ao coração e também uma forma de discutir aquilo que acredito ser necessário, quem me conhece sabe que sou assim. E acredito no poder da internet para que possamos construir fóruns de discussões saudáveis já que a vida agitada e a distância muitas vezes nos imobiliza.
Estava eu numa fila esse final de semana quando ouvi um diálogo alto entre duas pessoas sobre uma terceira, que claro não se encontrava no recinto, sobre seu afastamento das pessoas e também do trabalho por motivos de problemas psicológicos. É claro que a crença maior era a total descrença do motivo do afastamento de tudo e de todos ser apenas uma mente cansada, estressa, ansiosa ou depressiva.....coisa comum, normal de ser ouvida.
Voltei para casa pensando e no mesmo dia ligo a TV e ouço a notícia sobre o jogador Adriano, ele memso o imperador, estar afastado 10 dias dos treinos, pois teve uma recaída em seu quadro depressivo e que havia voltado a beber após desentendimentos pessoais. O comentário do jornalista foi o seguinte: "Será que é isso mesmo?".
Fico me quetsionando no porquê de tanta descrença ou desconfiança no que hoje seria doença ou não. Vivemos num mundo agitado, consumido pela correria, pelo estresse, pela ansiedade, pelo barulho, pelo consumismo, pela necessidade de dinheiro, pela total correria em busca de títulos de mestres e doutores, pela falta de amor ao próximo, pela violência e pela desarmonia....tantas coisas que cansam o corpo sim, mas deteriorizam a mente.
O estresse não fornece fraturas expostas ou luxações. O isolamento em empregos super concorridos ou em apartamentos JK não demonstram manchas na pele ou escoriações. O cansaso mental e a falta de sono não expoeem feridas no corpo. Ou seja, as doenças da sociedade atual e "moderna" não são possíveis de diagnósticos visuais ou por imagem, muito menos por exames laboratoriais. E memso assim, as pessoas permanecem presas a uma história da doença atual e prévia que só fortalece a medicina tradicional tão em desuso atualmente.
A depressão aguda ou crônica, o transtorno de ansiedade, o transtorno do estresse pós-traumático, o trantorno bipolar, a Síndrome do pensamento acelerado e o transtorno do pânico estão aí, nos mais diversos lugares e famílias, muitas sem história prévia ou familiar da doença, mas que simplesmente mostram o cansaço da sociedade atual e dita moderna.
Estudos comprovam que estudantes universitários, por exemplo, apresentam algum tipo de transtorno psiquiátrico durante sua formação acadêmica, entre 15 e 25% deles tendem a desenvolver transtornos depressivos e de ansiedade (Cavestro; Rocha, 2006).Outros apontam para uma impressionante taxa que varia de 49% a 87% de presença de sintomas de transtorno bipolar ou de déficit de atenção ainda na infância, tais como estados depressivos, ansiedade, desatenção, hiperatividade e desestabilização do humor (Moraes; Silva; Andrade, 2007). Já os transtornos de ansiedade estão entre os mais frequentes na população em geral, podendo ser encontrados em qualquer pessoa durante toda a sua existência e possuindo uma prevalência estimada ao longo da vida de 28,8%, sendo que a população feminina possui maior probabilidade de desenvolvê-lo (Kinrys; Wygant, 2005).
Em relação ao transtorno do estresse pós-traumático, este é conhecido como aquele desenvolvido após a exposição a um evento traumático grave, sendo que a pessoa apresenta sintomas de reviver o evento mesmo após o ocorrido.Apesar de na nossa sociedade eventos traumáticos (assaltos, violência, acidentes, sequestros, entre outros) ser algo tão comum, ainda existe o subdiagnóstico e a descrença sobre o mesmo, o que pode levar a comorbidades graves e sofrimento psiquico intenso (Margis, 2003).
E eu nem vou entrar no mérito da Sindrome do Pânico, algo que isola o indivíduo e o faz sofre tanto que caberia um e-mail a parte.
Eu poderia citar dezenas de milhares de estudos comprovando a realidade e a importância de se acreditar,de se valorizar e respeitar o sofrimento psiquico existente e escancarado na sociedade atual, afinal estudos acadêmicos sobre isso não faltam, mas esse não é meu objetivo. Trouxe estes textos apenas para validar um pouco do meu desabafo sobre o assunto e para chamar a atenção no que estes números e porcentagens querem realmente nos mostrar.
O sofrimento psiquico deixa marcas invisíveis aos olhos insensíveis, mas pior que isso é o preconceito e a descrença. Nada pode ser pior ao depressivo ou ao que sofre de pânico do que o ser taxado de louco ou de vagabundo. Nada pode ser pior do que ouvir que isso não existe e que um bom e velho tanque de roupa suja cura tudo na vida, como se a doença fosse apenas uma desocupação do doente. Nada pode doer mais do que a desconfiança alheia de que o doente não quer trabalhar, ou pior que isso, que não é forte o bastante para conseguir vencer as coisas sozinho.
E pior do que isso é a descrença familiar e da sociedade de que profissionais como psicólogos e psiquitras podem sim ajudar e auxiliar em algo que não é fraqueza ou apenas desânico, é sim doença, é sim química cerebral, assim como a diabetes é uma química hormonal.
É urgente a necessidade de abrirmos os olhos para quem está do nosso lado. É urgente desejarmos menos um pouco da vida, pois assim ela nos dá o bastante, afinal corremos tanto para quê e por quê?
É urgente desacelerar, antes que o freio de mão seja puxado estupidamente pelo nosso corpo.
É urgente deixarmos um pouco os títulos de lado, o consumismo de lado, a inveja de lado e a solidão de lado.
É preciso abrir os olhos para o que todo o dia temos: a VIDA, e com ela curtirmos as melhores coisas que podemos. Família, amigos, dias de folga e não horas-extras, viagens, cozinhar, descobrir algo que realmente gostamos de fazer e que não entra no nosso curriculum. Assistir TV, ver Big Brother sim sem preconceitos, coisas inúteis as vezes fazem tão bem ao cérebro. Passear com o cachorro, não tornar nosso emprego nossa prioridade e as vezes meus amigos, rodar a baiana sim, pois quem muito guarda rancor transforma a maioria em sofrimento próprio. Fazer exercícios físicos, escutar uma boa música, ler aquele livro guardado que compramos mas que ainda nem abrimos, usar a lingerie especial hoje e não amanhã, ver o desenho animado mais visto e rir bastante dele e no final, dormir....E se foi preciso sofrer antes para entender que tudo isso é o mais importante....pelo menos o sofrimento gerou algo de bom em sua vida.
Portanto amigos não julguem o Adriano, o imperador, por querer uma vida mais sucegada no Morro e não seus milhões de dólares se isso o faz feliz. Não julge nem tenha preconceito de seu familiar ou colega de trabalho que sofre com depressão ou ansiedade, ele quer sim fazer tudo de novo, apenas precisa de sua mão e de sua ajuda para RECOMEÇAR. Não o mande lavar roupas, leve-o para escolher algumas novas no shopping, de repente ele vai descobrir que gosta de rosa e não de verde.
Nenhum de nós está imune a nada, as doenças mentais e os sofrimentos estão aí, batendo na porta daquele que não quer ver. Escondidas por trás dos títulos, dos carros, dos apartamentos novos, dos concursos desejados, das saídas inesperadas de casa....do que vc nem imagina...Não se esconda, nem recrimine, apóie e aceite, simples assim...Não faça de conta que não exista.
A vida é para ser vivida em sua plenitude, então viva e ajude aqueles com dificuldade a vivê-la também. O preconceito e a desconfiança são totais inimigos da felicidade, portanto livre-se deles AGORA.
Pensem nisso durante esta semana e se quiserem comentar suas idéias sobre isso o façam e dividam com os outros.
Por fim dedico este e-mail a todos aqueles que atualmente me levam para escolher roupas novas no shopping.

Beijos grandes
Sofia


Referências que utilizei:

Cavestro, J.M.; Rocha, F.L.Prevalência de depressão entre estudantes universitários.Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v.55, n.4, 2006.

Moraes, C.; Siva, F.M.B.N.; Andrade, E.R. Diagnóstico e tratamento de transtorno bipolar e TDAH na infância: desafios na prática clínica. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro,v.56, supl.1, 2007.


Margis, R. Comorbidade no transtorno do estresse pós-traumático: regra ou excessão?. revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.25, supl.1; 2003.

Crivelatti, M.M.B.; Durman, S.; Hofstatter, L.M. Sofrimento psíquico na adolescência. texto e Contexto - Enfermagem; Florianópolis, v.15, 2006.

Kinrys, G.; Wygant, L.E.Anxiety disorders in women: does gender matter to treatment?. Revista Brasileira de Psquiatria, v.27, n.2, p.43-50; 2005.