sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Sobre 50 tons de preconceito

Bom, vamos lá para mais uma opinião....eu disse que andava muito afim de escrever sobre várias coisas. E hoje, depois de mais de um ano pensando e refletindo sobre algumas coisas, posso retomar uma discussão que tive, um debate, sobre o livro "50 Tons de Cinza" da autora E.L.James. O livro na verdade é uma trilogia que conta a história de uma jovem Anastasia Steele, estudante de literatura, e do também jovem, mas extremamente rico, Christian Grey, misterioso e com uma história de vida mais complicada impossível.
Mas aí vc se pergunta: cargas do que essa mulher vai falar desse livro? Simples, porque com a experiência difícil de ler esta trilogia eu descobri o quanto ainda sou ignorante e preconceituosa com alguns aspectos. E saber disso, que sou preconceituosa, seja no que for, me incomoda por demais.
Mas vamos do início. Há um ano e meio, no "bum" dos comentários do livro eu entrei em uma livraria determinada a comprar, peguei o primeiro exemplar intitulado "50 Tons de Cinza", e como faço com todos os livros que vou ler, abro ele numa página qualquer e vejo se possivelmente irá me interessar. E, na ocasião eu abri na página de um contrato bastante diferente de relacionamento (que não vou contar qual é para que vcs possam ficar curiosos). Li uma parte, sem entender nem contextualizar, achei um absurdo, fiz beiço e fui pras redes sociais criticar de língua afiada que nenhuma mulher poderia sequer ler e gostar daquilo, que era uma afronta ao feminino e que, como mulher, me negava a compartilhar desta ideia.
Uma aluna, querida e inteligente, na época me chamou a atenção sobre eu estar criticando algo que não tinha lido e que com certeza não estava entendendo, enquanto uma prima me disse para deixar de ter preconceito literário e ler, depois comentar. Na época fiquei impressionada de duas mulheres inteligentes me dizerem isso e, mesmo assim, não li. Fiz birra.
Passados mais de um ano e meio, visito uma amiga, outra mulher poderosa e forte, e vejo na estante dela a trilogia completa e pergunto: "Não acredito que tu tens e leu isso!", e ela, na sua total inteligência e amizade me pega pela mãe e diz: "Amiga, leia, não tenha preconceito, seja ele de que tipo for. É apenas uma história e talvez muito diferente do que imaginas." E, como veio desse poder de mulher, resolvi encarar. Baixei o primeiro livro na internet e numa noite de chuva em casa comecei a ler...e surpreendentemente não consegui parar de ler. Pois é...fui absorvida pelos 50 tons e por toda curiosidade que me tomou de saber mais sobre diversas coisas que o livro me apresentou.
E não é que não era nada do que eu imaginava? Eu, uma feminista assumida, que me considero seriamente uma lutadora pelos direitos das mulheres e pela conquista de espaço das mesmas na sociedade, simplesmente abri a minha mente e me dei conta que tem muita coisa que não sei e que não entendo. E para aprender, é preciso ser humilde o bastante para admitir que não sabemos e que erramos.
Simplesmente devorei o primeiro, devorei o segundo "50 Tons Mais Escuros" e o terceiro "50 Tons de Liberdade". A história me envolveu mais do que eu imaginava e não, não foi apenas pelas questões sexuais ocorridas na mesma, mas por todo restante que envolve os personagens. Não se trata somente de um romance, mas uma história que nos faz pensar sobre como enxergamos a nossa sexualidade, principalmente nós mulheres, o que ainda nos é tolido, nos ensinado como errado e feio, nos ameaçado como vulgar. Não se trata somente de um romance, mas de uma história que fala sobre a fragilidade, o abandono, os traumas infantis e a redenção de um relacionamento parcial até uma entrega total. E sim, a sexualidade que invade todo o livro nos remete a pensar em como somos incrivelmente ignorantes com o que não conhecemos.
Aí, como boa curiosa que sou, comecei a procurar entrevistas, críticas, comentários sobre o livro nas redes sociais e na internet como um todo. E fico abalada com muito, mas muito PRECONCEITO. Nas redes sociais leio diversas vezes os seguintes comentários quando alguma mulher posta que leu o livro ou que está ansiosa pela adaptação para o cinema:
"Você deve não ser comida a muito tempo", "Deve ter faltado laço para essas mulheres que gostam de 50 tons", "São tudo umas vadias!", "Vagabundas mal comidas!", " "Essa mulherada é tudo vagabunda, gostam de um pornô mesmo!". Pois é, não estou inventando nenhuma frase, todas retirei de sites, blogs, You tube, redes sociais...enfim....alguns inclusive de mulheres, como eu e você que lê agora. Fiquei impressionada com os comentários maldosos e preconceituosos. Inclusive vi um vídeo de Danilo Gentili, apresentador de tv, por sinal que vem decaindo demais sua qualidade, falando que as fãs de 50 tons não entenderam o livro ou "eram mal comidas" há muito tempo. Que isso gente....por favor.
Quer dizer que mulheres que gostam de sexo são vagabundas? Quer dizer que mulheres "direitas" não devem ler este tipo de livro? É isso mesmo? Mulheres "pra casar" não devem gostar de nenhum Christian Grey e muito menos de nada que envolva sexualidade. Em pleno 2014, pois é esse o pensamento que temos ainda.
Aí resolvi perguntar pra algumas amigas se elas tinham lido o livro, um ou todos, e pra minha surpresa maior a grande maioria tinha lido, mas não comentava com ninguém por vergonha ou medo de ser criticada por ler. Exatamente. Nós mulheres, poderosas, independentes, livres, em pleno 2014, não dizemos que lemos um livro que, em sua essência não é apenas sobre sexo, mas que sim tem muita coisa legal (isso, eu disse LEGAL) sobre sexo também, porque seremos julgadas. E julgadas a maioria das vezes por outras mulheres. Fiquei muito preocupada com isso.
Quanto ainda somos julgadas? Quanto ainda somos dominadas? Quanto ainda somos tolidas? Se isso acontece com um livro, com a leitura de um simples livro, o que será que ainda acontece com todo resto que envolve a sexualidade das mulheres, seus desejos, suas fantasias, sua forma de ser e pensar.
Aí resolvi me libertar. EU LI SIM OS TRÊS LIVROS. Adorei. Fiquei cheia de curiosidade e ideias. Não vi nada antifeminino ali. Vi uma mulher e um homem se descobrindo através da parceria e sim, também através do sexo, do que gostavam, do que os dois queriam, do que lhes dava prazer. Não havia submissão, não havia dominação. Havia carência, abandono, amor e muito sexo bem feito por duas pessoas que se queriam de todas as formas. Pronto falei. E como eles faziam tudo isso não importa, afinal os dois queriam e se beneficiavam. Pronto, simples assim.
E quem sabe a gente julga menos os outros, ou quem sabe nem julga? Quem sabe a gente respeita a sexualidade alheia. E, quem sabe, a gente começa não tendo preconceito nenhum sobre nada, nem sobre o que o outro faz ou até sobre o que o outro está lendo. Fiquei realmente mais afrontada com o que ouvi sobre o livro e li nas redes sociais, do que com o conteúdo delicioso dele, isso mesmo DELICIOSO.
Talvez o que tenha chamado tanto a atenção das mulheres nesses livros é justamente a liberdade sexual contida nele, coisa que ainda, no mundo real, não conseguimos. No mundo real não podemos ser Anastásia e aceitar o que realmente desejamos, porque senão, conforme tudo que li, seremos vistas como "vagabundas" né?
Pois é, esse é o país da liberdade, o país sem preconceito, o país onde tudo pode e tudo é respeitado. Só que não né. País hipócrita onde homens babam pelas mulheres nuas no carnaval e assistem programas como Pânico na Tv também babando pelas bundas das panicats, mas se mulheres gostam de ler "50 Tons de Cinza" são vagabundas mal comidas.
Pois bem....continuemos lendo livros, nos reportando a mundos imaginários, esperando que um dia possamos encontrar homens que simplesmente entendam nossos desejos sexuais e topem ser parceiros na vida como um todo....Ah como em 2014 ainda podemos estar tão na idade média ainda....tão na época da escuridão....Como em 2014 o sexo ainda é um tabu tão grande, principalmente para as mulheres?
Fica a campanha. Leiam o que quiserem e não escondam que leram!
Vivam o que quiserem e não se escondem. leiam, tenham idéias, usem e abusem e sejam felizes!
E abaixo o trailer do filme....para quem não leu ficar com vontade...
Trailer 50 tons

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Robin Williams, Fausto Fanti e a crença de que temos tudo

Bom....lá vou eu, quase dois anos após minha última postagem...uma blogueira que não "bloga". Essa talvez seria minha definição. E eu respondo...tô nem aí....escrevo quando algo me conduz internamente para isso e essa semana isso ocorreu, por diversos assuntos, mas escolho esse para retomar minhas reflexões. Escolho a morte do ator Robin Williams e do comediante Fausto Fanti, ambos homens brilhantes e suicidas. Ambos homens que sofreram de uma doença grave, mas que, não é ainda vista dessa forma pela sociedade como um todo. É a eterna doença de quem não tem o que fazer, a doença de quem precisa de trabalho pra se curar, a doença inexplicável de quem tem tudo e não dá valor a nada, a eterna síndrome de quem não tem um tanque de roupa para lavar....enfim....a única doença grave do mundo totalmente banalizada. E eu não consigo entender isso....Talvez eu não consiga entender porque já sofri com ela e digo verdadeiramente que que ninguém que nunca tenha passado por ela conseguirá entender o quanto ela é devastadora.
Eu lhe pergunto: se seu pai tiver câncer de próstata, doença grave que pode levar a morte, o que você irá fazer? Dizer para ela que deve trabalhar mais, ocupar a cabeça, parar de pensar bobagem, olhar para tudo que tem, agradecer e pronto...ele estará curado! Ou você procurará uma bom oncologista, iniciará todos os tratamentos possíveis e, assim lutará pela sua vida com qualidade? Para alguém com câncer você indicaria trabalhar mais para ocupar a cabeça e tirar as bobagens dela? Para um diabético você negaria a insulina e indicaria um tanque de roupa para lavar? Para um hipertenso grave, vc esperaria um colapso cardíaco enquanto mostra a ele tudo que ele tem e deve ser agradecido, ou procuraria um bom cardiologista e iniciaria um tratamento adequado para que o colapso cardíaco fosse evitado?
Pois bem. Com a depressão é a mesma coisa, idêntico! É uma doença GRAVE que sem tratamento adequado leva a MORTE. Simples assim. Como o câncer. Como a hipertensão e como uma crise hiperglicêmica. E como doença grave, possui tratamento adequado e acompanhamento eficiente que promove qualidade de vida e melhora considerável.
Assim foi comigo. Assim poderia ter sido com estes brilhantes homens que nos deixaram esta semana. Estes nós conhecemos né? Mas e todos os que estão por aí, familiares, amigos, colegas de trabalho? Talvez sofrendo em silêncio por que você, um total ignorante no assunto, não consegue aprender e compreender que, se você não entende de algo, melhor ficar calado. Acredite, dizer que temos tudo e que nosso sofrimento não é válido não ajuda em nada. Dizer que temos tudo e que precisamos valorizar mais o que temos não irá equilibrar meus neurotransmissores para que eu possa enxergar alguma luz no fim do túnel (ou do buraco) em que me encontro. Dizer que o que me falta é trabalho não conseguirá me trazer de volta a coragem e a vontade de viver que me faltam quando em depressão.
Já fazem 4 anos que eu me trato. Já fazem 4 anos da última vez. Já fazem 4 anos que eu luto, sem ter mais vergonha e sem me esconder, controlando uma doença que, por ser crônica, precisa cuidados contínuos. Foi difícil. É difícil. Todos estamos sempre atentos, assim como um hipertenso que precisa sempre ficar de olho em sua pressão ou um diabético que precisar controlar sua glicose. Eu sempre estou ligada no que me incomoda e, por meio da doença, me descubro incrivelmente a todo dia. Estou estável, assim como Robin, o eterno Patch Adamns, poderia estar. Se não tivesse que se esconder e sofrer em silêncio.
Mais uma vez eu faço o pedido: olhem mais nos olhos de quem vive com você. Olhem profundamente. Estudem. Compreendam.  Leiam. Informem-se. Parem de julgar, parem de achar que sabem das coisas, isso também é uma doença grave: a ignorância e, com certeza, pode levar a morte, tanto física quanto espiritual.
Deixo aqui uma informação: A OMS contabiliza cerca de 350 milhões de pessoas que sofrem depressão em todo mundo e afirma que 90% dos suicídios poderiam ser evitados com cuidado adequado (http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs369/en/).
Pois bem, com certeza tem alguém do seu lado sofrendo...e você acabou de dizer a ela que ela tem tudo que precisa e que possivelmente está com a cabeça muito vazia e precisando trabalhar mais. Pois bem, você acabou de influenciar um suicídio...E eu não estou sendo severa demais, estou apenas sendo verdadeira.
Fica a dica, ok?